16 de março de 2015


As gravações no interior do Farol de Santa Marta foram uma etapa fundamental na captação de conteúdo para o documentário A Pedra e o Farol, por sua importância como marco geográfico e símbolo da ocupação humana no litoral sul de Santa Catarina.



Inaugurado em 1891 no então remoto Cabo de Santa Marta para garantir a segurança da navegação na costa sul brasileira, o farol se destaca na paisagem com sua imponente torre de 29 metros de altura, erguida em um promontório a 45 do nível do mar, no ponto que marca uma sensível inflexão geográfica que fez o local ficar conhecido como "A esquina do Atlântico Sul".

Além de guiar os navegantes, a criação do farol fomentou também o nascimento de uma colônia de pescadores em seu entorno a partir de 1910 e posteriormente suas praias foram se transformando com o turismo do surfe e os veranistas.




Na primeira semana de março fomos recebidos pelos três militares que atualmente encontram-se "embarcados" no terreno do Farol: os sub-oficiais Fábio, Paulino e Cícero (abaixo), que nos mostraram um pouco da rotina de se viver em um Rádiofarol, o que inclui a realização de medições meteorológicas a cada três horas, o cuidado geral de manutenção e operação de equipamentos como geradores e a estação de rádio e comunicação, além dos procedimentos de acionamento do aparelho lenticular que dá luz ao farol.


  

Já o Capitão-de-Corveta Francisco de Assis da Silva (abaixo), que comanda a Delegacia da Capitânia dos Portos em Laguna, ofereceu dados e visões interessantes sobre a importância dos faróis na segurança marítima e o papel da Marinha do Brasil como um todo na proteção das embarcações e na regulamentação da navegação na região - que a partir de Laguna em direção ao sul se estende em uma perigosa faixa de mar aberto de 500 kms até a Barra do Rio Grande no extremo sul do país.




Apesar do farol ter funcionado como um marco civilizatório, impulsionando o crescimento demográfico em seu entorno, a região do Cabo de Santa Marta segue categorizada pela Marinha como uma "área inóspita" devido à infra-estrutura ainda precária da região. Ao longo do tempo, com o aumento do fluxo de pessoas ao local, o acesso ao interior do Farol e suas dependências passou a ser restrito a partir dos anos 80, especialmente por conta do vandalismo absurdo praticado por visitantes que quebravam pedaços da lente para levar como recordação.



Construído  em pedra, areia, barro e óleo de baleia, o farol segue em pleno funcionamento há mais de 123 anos e ainda mantém o aparelho lenticular original de fabricação francesa posicionado no alto dos 138 degraus que levam ao topo da torre. Sua estrutura encontra-se muito bem preservada, incluindo os detalhes da arquitetura interna original e a manutenção dos equipamentos manuais, embora hoje o seu funcionamento seja elétrico. O ambiente na torre, com paredes de dois metros de espessura e poucas janelas, passa uma sensação de isolamento e de estarmos embarcados em alto mar, apesar do farol estar fincado em terra firme.




A luz emitida pelo farol possui um alcance de mais de 90 km - sendo o maior das Américas e o terceiro no mundo em alcance visual - e apresenta características singulares em sua concepção. A principal delas é a existência de um feixe de luz vermelha (chamado de "lampejo encarnado"), que é emitido pelo farol para avisar os navegadores que sua embarcação encontra-se em rota de colisão com a montanha submersa, conhecida como Pedra do Campo Bom ou Laje da Jagua, cuja espuma localizada a cerca de 24 kms de distância ao sul do farol pode ser avistada da torre nos dias de ondas grandes.




Do alto da torre na parte interna, logo abaixo da cúpula da lente, a sensação é de estarmos dentro das engrenagens de um imenso relógio que realiza uma rotação completa a cada dois minutos. Ao adentrar a cúpula envidraçada de três metros de altura por 2,6 m de largura, o incrível jogo de vidros que refletem a luz da lampada central oferece uma experiência de forte apelo sensorial.



E foi lá no alto da torre que faroleiro Paulino nos mostrou a evolução dos equipamentos e os ricos detalhes sobre o seu funcionamento, inclusive acionando o antigo sistema manual a querosene que fazia o farol girar. Em seu depoimento, ele contou do orgulho que sente em poder cuidar do farol, fato que se revela na organização de um pequeno museu com fotos e equipamentos antigos que mantém no interior da torre, para explicar melhor aos visitantes as características do farol.




Vimos também que a carreira militar exige o desprendimento de ter que enfrentar constantes mudanças de endereço, como no caso de Paulino, que é natural de Natal no Rio Grande do Norte. Em tom de despedida após duas passagens de três anos pelo Farol de Santa Marta, ele contou já sentir saudades da rotina de viver no interior do farol - e admitiu inclusive "conversar com ele de vez em quando", enquanto observa a passagem do tempo e as mudanças climáticas a partir da solitária e privilegiada visão do alto da torre.



 01 de novembro de 2014


Meses antes, enquanto aguardavamos os trâmites burocráticos para poder filmar dentro do Farol de Santa Marta, tivemos a oportunidade de entrevistar Antonio José Nascimento, um faroleiro aposentado de 75 anos, que durante 15 anos trabalhou no local e também conhece todos os detalhes sobre o funcionamento do farol. De fala mansa, ele casou-se com a moradora nativa Maria José e decidiu permanecer na região, onde hoje leva uma vida pacata próximo à lagoa, nas margens da estrada entre o Cabo de Santa Marta e Laguna.



E assim cumprimos a missão de registrar mais algumas nuances da relação de pertencimento do ser humano com a paisagem que o cerca - uma das reflexões centrais deste documentário -, onde os laços afetivos se estabelecem não só com os elementos da natureza e as pessoas do nosso convívio, mas também com construções humanas como a torre de um farol.